segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O PASSEANTE IMÓVEL


WALSER, O PASSEANTE


Chegou bem mudado com gravata e chapéu.
Levava no braço um guarda-chuva apesar de fazer sol.
Sentou-se na cisterna, contemplou o campo
e com um gesto amoroso disse: Tudo é tão belo
que me dá pena deixar estes caminhos para ser um morto.
Dei-lhe água e os gatos subiram-lhe para cima,
mas as galinhas viram nele algo estranho.
Falou-me com ternura dos anos em que viveu
fechado num santuário de doentes mentais.
Se pudesse, disse-me, garanto
que..., e muito triste parou com um rictus de choro,
enquanto o galo espantado por uma sombra fugiu.
Endireitou o chapéu, exclamou bondoso:
Adeus! Volto para o inferno!, e estendeu-me a mão.
Quando partia quis oferecer-lhe uns ovos.
No sítio para onde vou, riu, o real não existe.

PONÇ PONS, Pessoanas
Ed. Licorne, 2011

Sem comentários:

Enviar um comentário

os amigos da editora