quinta-feira, 31 de março de 2011

Amor à poesia portuguesa, por PONÇ PONS

Sophia, a portuguesa
Descobri a língua e a literatura portuguesas graças ao Professor Perfecto E. Cuadrado, que, com o seu exemplo e as suas aulas na Universidade das Ilhas Baleares, marcou de forma indelével, para sempre, as nossas vidas, convertendo-nos, a mim e a toda uma série de gerações de estudantes, ao lusitanismo. Portugal era então o nome de um país que não existia nem aparecia nos mapas espanhóis, que o amputavam da Península Ibérica. Foi aquele professor o primeiro a falar-me de Sophia de Mello Breyner Andresen e a fazer-me entender que Portugal tinha o conjunto de poetisas mais importante da Europa. Sophia fascinou-me pela sua obra, de uma enorme perfeição formal, que alia a um intimismo lírico, marcadamente feminista, uma evocação do mundo clássico greco-pagão e a reivindicação político-social. Nos seus primeiros livros — Poesia, Dia do Mar, Coral — era visível a voz pura, transparente, sonhadora, de uma mulher que expressava a sua emotividade por meio de versos onde o pudor não escondia uma perturbadora sensualidade. A partir de No Tempo Dividido, Mar Novo e, sobretudo, do Livro Sexto, Sophia tomou consciência da dura realidade do seu país e começou a escrever poemas de denúncia — contra o regime de Salazar e a guerra colonial — sem cair no fácil desabafo panfletário. «Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso»1, disse, defendendo o rigor e a contenção formal perante a tendência barroquizante de um sector da poesia portuguesa contemporânea. Durante os últimos anos da ditadura, a sua poesia política não perdeu o tom de exórdio nem a elegância sonora de uma equilibrada métrica que prescinde da rima. Mesmo em poemas como «O Velho Abutre» (três simples 122 versos que são um retrato feroz de Salazar), «25 de Abril», «Revolução», «Pátria», ou «Esta Gente» (que tem o ar popular de uma canção), a sua escrita é sempre afirmativa e de um absoluto positivismo originário. Sophia já havia contado que, em criança, antes de saber ler e escrever, lhe ensinaram o poema de tradição oral, Nau Catrineta, e que o seu avô lhe recitava versos de Camões e de Antero de Quental. Talvez venha daí a marcada oralidade rítmica, cheia de tons e matizes. Sophia compraz-se na cadência de uma linguagem clarificadora que procura a palavra desalienada para revelar a realidade do mundo. Mulher crente de fé rebelde contra as teologias do nada, o seu lirismo não é sentimental, lamuriento, mas uma voz que recria as circunstâncias vitais e disseca a sua época, tentando harmonizar lírica e épica, mas sobretudo ética e estética. «O poema é / A liberdade»2, «a poesia é uma moral»3, deixou escrito e sentenciado. Poemas como «Electra» e «Ifigénia», «Assassinato de Simonetta Vespucci » ou «Catarina Eufémia» são exemplos contundentes da sua recusa de uma injusta e marginalizada situação feminina. A minha admiração por Sophia e o desejo de aprender em profundidade a língua portuguesa levaram-me a traduzi-la com a intenção de a dar a conhecer a um público mais amplo, fazendo reviver a sua mais genuína voz em língua catalã. Fiz minhas as palavras do mestre dos tradutores, José María Valverde, que afirmava: «Traduzir é receber uma lição da própria raiz da linguagem.» No meu caso, e com Sophia de Mello Breyner Andresen, foi uma lição de humanismo, ética e poesia. Menorca, Julho de 2010 Notas 1 Sophia de Mello Breyner Andresen, «Arte Poética III», texto primeiro publicado como «Posfácio» à 2.ª ed. de Livro Sexto [1964], in Obra Poética, ed. Carlos Mendes de Sousa, Lisboa, Editorial Caminho, p. 841. 2 Idem, «Liberdade», O Nome das Coisas [1977], ibid., p. 627. 3 Idem, «Arte Poética III» [1964], ibid., p. 841. "Colóquio Letras", nº 176, Janeiro de 2011.

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