sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Dois poemas de LIRA, novo livro de Manuel Silva-Terra

1.

O livro-errante bate às portas do ente. Abandonado num quarto de hotel, esquecido no banco do comboio, perdido no aeroporto. Desperta e rejubila com o bafo dos passageiros. Abandonado esquecido perdido. Achado e reencontrado. Tornado imóvel, comprimido numa pilha com outros seres semelhantes. Resgatado do pó da biblioteca. No outono perdido no bosque e na primavera seguinte recuperado do gelo das folhas e do estrume. Todo ele estremece com a passagem das estações sobre a erva. Todo ele vibra com a passagem do tempo sobre a Terra. Sebento e sujo. Mendigo nos caminhos dos homens. Jazente, renova-se ao contacto com outro ser, se também ele errante e fragmentado. Ambos se recolhem um no outro, de si desapossados. Inquietos como dois amantes inexperientes. Deste encontro fazem revelação. O livro-errante é o livro-leitor-feliz. Ambos conhecem a lentidão amorosa, o suspiro na queda e a perda. Ambos caem com volúpia.



2.


O livro-cobra vai largando a pele pelos lugares e mãos de passagem, enrosca-se nos braços do leitor que o lê por comunicação táctil. O livro-cobra muda de pele e o leitor é renovado. Pele contra pele. Por osmose um mesmo tecido nasce da morte do anterior. Mas o livro-cobra hiberna, e enquanto hiberna enrosca-se nos buracos da memória, nos interstícios da matéria negra, até novo solstício – só então renasce. O leitor eterno vive no plano infinito que este livro desenrola. Ou o livro nos infinitos planos da temporalidade do leitor?

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