Faço o mesmo caminho para
casa, algumas buganvílias pendem de um muro, lilases, rubras e amarelecidas.
Como o tempo poisou sobre o meu rosto, como a hera domesticou outros muros. Sei
situar-me na estrada de dentro, no rubro esplendor de um norte que vai ganhando
ferrugem. Faço o mesmo percurso dentro, dentro de mim e algo me é estranho. O
ciclope transformado em vento, uma casa deve ter ruído dentro de mim. Faço o
caminho pelo ângulo obscuro de mais um anoitecer, e de súbito, tudo se transfigura. Espero o teu rosto na ínfima
iluminação do meu peito. E de um toque brusco de sombra, o meu corpo eleva-se,
ninguém sem ser eu apreende esta oscilação. Volto atrás e pergunto-me, terá
cada pedra da calçada intuído este movimento? A minha voz tornou-se quente,
maligna voz de contralto. O calor é intenso, os muros acabaram por renunciar a qualquer
expectativa. Percorro cada um dos meus anseios, vejo cada expressão da minha
face no espelho da memória. Sinto agora o arrefecer das cores. Por onde andei,
ninguém me acompanharia. Ninguém compreenderia. Quando te debruças demasiado
para dentro da palavra, esta insinua-se e perfura-te.
isbn: 978-989-8789-49-5
120 páginas
Pvp: 12 €
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