al-alentejo
Trabalho
por dentro
da
cabeça exaltada:
exerço
a beleza da minha loucura,
há
muito silêncio sempre o silêncio.
No
labirinto ocre da paisagem canta
o
alaúde modelando a noite
e
o dia.
Depois
digo: - o trigo arde nos campos exaspera
de
tanta luz.
Na
sombra o ancião uma voz
que
diz: - em espessas zonas de silêncio
cresceu
uma árvore alimentou-se
nos
subterrâneos.
*
Eu
vivo para além dos rios,
vivo
nas areias anatómicas e cavernosas da memória,
nos
labirintos exaltados do poema.
Fui
tocado pela mão direita de Deus
no
instante genial
do
corte umbilical desde a filiação dos ossos
à
massa líquida do sangue.
Recordo
a água dos rios
nas
margens tenebrosas do esquecimento
falo
vivo enlouqueço nas águas:
de
fome desespero alegria encantamento,
a
noite é minha digo:
na
minha loucura sombriamente pura
chamam-me
louco desesperado da vida.
Deixem-me
abandonar o mundo,
não
vou amar nada
nem
as palavras ninguém nada.
A
artéria iluminou-se de luz branca,
as
mães deram-me o canto
na
sua condição de mães brotavam alegria pelos olhos,
brilhavam
iluminavam-se por dentro.
Eu
absorvia.
Observava
o movimento dos astros:
crescia
de encontro ao mundo.
Desenvolvia-se
a matéria,
o
poema esse é puro negro
como
a noite.
*
Sobre
a fome
A
rua alonga-se à boca
da
noite escura,
escurecem
as árvores ganham volume
agigantam-se
na luz da lua.
Pequenas
luzes afastam da noite o branco
das
casas iluminam-se aqui
e
além por dentro.
Rugosas
mãos e rostos esculpidos ao longo do tempo
ganham
forma de dentro para fora
da
noite
nas
casas nos cafés nas tabernas
da
planície luarenta.
Vozes
casas pão vinho e a minha fome
acompanha
a noite:
alimento-me
da água estancada nas paredes
da
casa bebo em abundância,
o
estômago cede na trama dos nervos
acidamente
endurecidos.
Já
dias e noites houve em que a água
alimentou
o sangue grosso estancado nas veias:
tremia
de comoção, ouvia a voz dos pobres:
-tens
pão? Tremiam de fome rememorando
com
os buracos dos olhos abertos,
a
voz dos mortos: - É a miséria, não há pão!
Remexo
no silêncio calcinado da noite.
Exaltam-se
as palavras na voz dos mortos:
-É
doloroso ter fome.
A
memória da minha queda
no
abismo avoluma-se no túmulo
sem
conteúdo.
Das
bátegas de água chuvosa na janela,
ascendo
no acto da escrita.
*
ANTÓNIO NUNES tem 48 anos e vive no Alentejo.
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