segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

CONTRAMINA, lido por José do Carmo Francisco




Para quem no seu primeiro livro desenhou uma «Arquitectura do Silêncio» não deixa de surpreender esta «Contramina» que transporta uma fala múltipla, diversa e em dispersão como um teatro. Não o edifício mas a peça onde os autores surgem no palco ao ritmo da marcação do encenador. Que é, neste caso, o poeta. Existem, nesta sucessão de falas, dois mundos em paralelo. O mundo mineral - «não existe milagre nem metáfora, no eixo do planeta, a presença nasce de um encontro mineral» - ao lado do mundo sentimental: «uma figura atravessa a imperfeição da luz. nela terá de entrar, contudo, um líquido escuro, talvez mesmo a espiral governe (mantenha em movimento) o motor que comove a existência». Entre estes dois mundos, a linguagem procura uma ordem: «há uma face virada a nascente,  esperando o centro da noite, o interior da fala. mudo as palavras mas não consigo ordenar as letras que compõem o universo».

A vida e o Mundo podem trazer ao nosso olhar um mapa de angústia: «o adobe desfaz-se com o gelo. a casa dissolve a pedra, o lençol, o livro, a legenda e a lembrança – onde vemos aquele ramo segurando a nossa angústia». Ou um mapa da alegria de nascer: «recebemos o pão, o segredo da água, nas linhas do edifício. desenhamos na mão a planta, a raiz da planta que atravessa o coração. A cidade nasce». Outras vezes a vida e o Mundo juntam dois universos opostos: o físico e o moral, «moléculas e memórias» como afirma o poema: «o sal conservou a imagem de uma mulher corroendo a saudade. seccionou o silêncio para nele depositar a fonte da tristeza».

As falas sucessivas constroem uma filosofia («morremos – e só assim conseguimos esperar»), uma moral («lutamos contra o tempo para que o tempo nos conforte»), uma verdade («nenhuma palavra corrige a escrita anterior») e uma conclusão: «todos os seres nos pertencem e nos modificam». Neste livro o corpo projecta o Mundo como sua imagem: «sangra-se o poema. Não sobrevive se a água não circula pelas veias. setenta por cento do poema é apenas água (salgada), sal da terra. a mina sustenta todas as formas de vida que povoam e elevam a existência». Uma nota final para o título – um dos sentidos da palavra «contramina» em verbo é desfazer e desmontar uma traição ou um engano. Ao dedicar o livro a Carlos Garcia de Castro e Maria Guadalupe Alexandre com homenagem a Judite Peres e Raul Cóias Dias, o autor mostra como a Poesia é sempre e também um novo trabalho sobre a linguagem - afinal matéria provisória mas que existe, que funciona e que permanece.

(Editora: Licorne
Grafismo: Isabel Bilro
Posfácio: António Cândido Franco)
José do Carmo Francisco

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