Trecho de CONTRAMINA, de Ruy Ventura; próxima publicação da Licorne
JOÃO
destroços emergem desta língua. outra língua, sem voz,
ecoa nos lugares e em vozes dominadas pela perda. raízes que não lhe pertencem
mergulham os vestígios na obscuridade. ninguém reconhece (ou quer reconhecer) o
ouro enterrado na pronúncia da matéria. afirmam que a nascente é tão só um fio de
água, esquecendo (ou querendo esquecer) que existe na transparência uma
sucessão de átomos e de minerais que a frescura dissolve e unifica, sem
conseguir no entanto esconder a identidade dos seres, estilhaçados pela
cegueira do norte ou pelas legiões que tudo aplainam, fora de tempo – como
máquinas de arrasto.
AGOSTINHO
a terra geme. ruge. vivifica a entrada do mar pelas
entranhas. treme o ouvido do navegante. a voz conta o temor da passagem, a
audição de um segredo que o confronto regista e multiplica. há pontes e açudes,
mas ninguém conhece a largura das águas, a extensão das margens e a humidade da
terra que o lodo acolhe e estrutura. verbo ecoando pelo mapa, este grito no
parto. pomba voando da mão ao encontro do tiro ou da serpente.
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