sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CONTRAMINA, por Ruy Ventura



Trecho de CONTRAMINA, de Ruy Ventura; próxima publicação da Licorne


JOÃO
destroços emergem desta língua. outra língua, sem voz, ecoa nos lugares e em vozes dominadas pela perda. raízes que não lhe pertencem mergulham os vestígios na obscuridade. ninguém reconhece (ou quer reconhecer) o ouro enterrado na pronúncia da matéria. afirmam que a nascente é tão só um fio de água, esquecendo (ou querendo esquecer) que existe na transparência uma sucessão de átomos e de minerais que a frescura dissolve e unifica, sem conseguir no entanto esconder a identidade dos seres, estilhaçados pela cegueira do norte ou pelas legiões que tudo aplainam, fora de tempo – como máquinas de arrasto.

AGOSTINHO
a terra geme. ruge. vivifica a entrada do mar pelas entranhas. treme o ouvido do navegante. a voz conta o temor da passagem, a audição de um segredo que o confronto regista e multiplica. há pontes e açudes, mas ninguém conhece a largura das águas, a extensão das margens e a humidade da terra que o lodo acolhe e estrutura. verbo ecoando pelo mapa, este grito no parto. pomba voando da mão ao encontro do tiro ou da serpente.

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