quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

JOEL HENRIQUES explica o que não pode ser explicado

BREVE EXPLICAÇÃO DE UM LIVRO

Sophia de Mello Breyner Andresen dizia que a poesia não explica, implica. Mas perante o temor causado pelo meu livro Terra Prometida urge uma palavra. Até o autor sentiu essa impressão.
A poesia revela um instante. O instante revela o inconsciente. É parecida com a fotografia. Com a diferença de ser íntima, o que amplia o problema.
A poesia desperta medos entre nós e a vida. Também ela os sente, o que é saudável. Mas transmite também felicidade pelo instante. A poesia solta os medos da inexistência, rejeição e morte, porque traz a realidade solar à consciência.
A verdadeira poesia é transparente. É um fenómeno mental de aparição mágica do mundo. Nada existe nela de extraordinário. Até quando revela o inaudito. Também é universal a proposição de que todas as pessoas são únicas.
Tenho uma poesia inteira. Escrevo poemas sóbrios. Habito a superfície. Quem quer passar o Bojador, tem de passar também a dor, escreveu Fernando Pessoa. E, a mensagem que a poesia revela não é anunciada pelo autor. Nenhum leitor está dispensado da viagem.
O eu é um abismo onde qualquer pessoa se afunda. E os meus livros falam dessa última fronteira, ainda pouco conhecida. Vivo a mente humana acompanhado pelos sábios da cidade. Falo da magia da consciência. Do milagre do enigma. Da necessidade de revelação da alma e do transcendente.
Apesar deste desafio perigoso cheguei a conclusões sobre mim: sensível e firme, de esquerda, mas democrata. Cheguei também a conclusões sobre a minha família de pensamento, que vem do Iluminismo, consciente da necessidade de pertencer ao próprio tempo.
Esta época corre o risco de naufragar na interioridade. Por isso o meu testemunho é importante. Muitos poetas já escreveram sobre poesia, mas vivemos num tempo em que se vive no ar e do ar, depois de a natureza ter sido conquistada. Mais do que no século XX. A experiência é indispensável. No entanto, aumenta hoje a experiência «por dentro». Embora o exterior esteja presente, mais ou menos implícito. Ninguém subtraiu uma categoria à realidade.
A minha poesia revela a dor de um século, de um mundo desenraizado, em que nada escapa à intervenção humana. E a poesia também é uma técnica, embora defenda uma acção lúcida, em que a razão não desaparece, mas também não se agiganta, tornando-se irracional e alienada.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2010

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